Após ser despedida de um restaurante por estar grávida, Ingrid Evangelista de Lima, 32, não tinha saída. “Fiquei sem emprego, foi bem difícil. Fiquei parada por mais de um ano, e o Bolsa Família era tudo que eu tinha para sustentar a minha filha mais velha e a bebê”, conta.
Quando sua filha mais nova completou sete meses, a moradora de Diadema, na Grande São Paulo, entrou no programa Frente de Trabalho e hoje atua como auxiliar de limpeza em um Cras (Centro de Referência de Assistência Social) com um contrato de dois anos.
O salário mínimo que recebe vai para aluguel, luz, internet e outras despesas da casa, mas o Bolsa Família ainda a ajuda nos gastos com medicamentos e alimentação. “O benefício era a garantia de comprar fraldas para a minha filha, já o emprego atual me abriu a cabeça para muitos outros sonhos. Agora, quero prestar concurso.”
Ainda que estejam trabalhando, 10,06 milhões de brasileiros entre 16 e 59 anos são beneficiários do programa Bolsa Família e se encontram em situação de pobreza ou extrema pobreza, sendo que 1,19 milhão deles têm emprego formal.
O grupo de beneficiários com carteira assinada inclui trabalhadores domésticos formais, aprendizes, estagiários, militares ou servidores públicos.
São 6,86 milhões dos trabalhadores nessa situação que atuam por conta própria, como autônomos ou fazendo bicos. Os demais (2 milhões) são trabalhadores temporários em áreas rurais, domésticos sem carteira e outros informais.
Os dados mais recentes, de novembro de 2024, são do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, e foram compilados pela consultoria Kairós Desenvolvimento Social.
Em todas as categorias, quem não declara trabalho pode pertencer a famílias em que outros membros estejam trabalhando. Também, na mesma família, pode haver mais de uma pessoa trabalhando.
O número de beneficiários em situação de pobreza ou de extrema pobreza que não recebem salário ou sem trabalho declarado era de 16,1 milhões (61,5%).
“O total de trabalhadores corresponde a mais de 38% das pessoas nessa faixa etária que recebem Bolsa Família e estão em situação de pobreza ou extrema pobreza, demonstrando que trabalhar, mesmo com carteira assinada, não é necessariamente uma porta de saída do benefício assistencial”, afirma Elvis Cesar Bonassa, diretor da Kairós.
O especialista reforça que não existe uma porta de saída única do programa, já que há um conjunto de questões que provocam a vulnerabilidade.
Especificamente na melhora da geração de renda, é possível encontrar maneiras de tornar o trabalho informal mais rentável, como o empreendedorismo de base comunitária, com cooperativas de uma mesma comunidade em torno de uma atividade econômica viável com apoio de um programa público.
“Um outro caminho é se a gente conseguisse fazer o programa de Aprendizagem funcionar para os mais vulneráveis, o que hoje não acontece plenamente”, entre outras ações, diz.
Ele destaca o número de 1,77 milhão de trabalhadores rurais temporários, que vivem em extrema pobreza ou pobreza e estão em famílias que precisam do benefício. Os dados disponíveis não especificam se esse trabalho temporário é registrado ou não. “E esse é um grupo submetido a uma extrema exploração do trabalho”, diz.
“É uma vida de incertezas, a gente consegue algo durante a safra da cana-de-açúcar, mas depois, tem de se virar com o que aparecer, e os salários que oferecem são sempre baixos”, conta Cleusa Assis, 39, trabalhadora rural em Pernambuco.
Parte do Bolsa Família desde 2015, ela relata que é por meio dele que consegue manter a casa quando os adultos da família ficam parados. “Quem fala mal dele é por nunca ter precisado. É pouco, mas vai continuar nos ajudando até que eu consiga uma ocupação mais segura.”
Nas situações às quais o Bolsa Família é destinado, a de extrema pobreza compreende uma renda familiar mensal por pessoa (ou seja, o total de rendimentos dividido pelo número de membros da família) de até R$ 109; a de pobreza, de R$ 109 a R$ 218.
Além disso, há a “regra de proteção”, em que um inscrito de baixa renda consegue emprego ou se torna empreendedor, mas mesmo assim sua renda familiar per capita fica abaixo de meio salário mínimo (R$ 706, em novembro), e a família continua a receber 50% do valor do benefício por um prazo de até dois anos.
De acordo com a Kairós, no grupo de baixa renda, que ainda configura vulnerabilidade, o número de trabalhadores remunerados é de 2,63 milhões e o trabalho formal chega a 1,91 milhão de pessoas.
Somando todas as categorias, portanto, há 3,1 milhões de pessoas com carteira assinada que não conseguem tirar a família da situação de vulnerabilidade.
“Isso mostra que mesmo o salário no emprego formal não cumpre, para essas pessoas, a garantia prevista na Constituição de prover para si e para a família moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e a Previdência Social”, diz Bonassa.
“O que as empresas não pagam como salário, o governo transfere na forma de auxílio. Não deixa de ser indiretamente um subsídio para as empresas. A elevação do salário mínimo é um componente indispensável para criar uma porta de saída real dos benefícios socioassistenciais”, completa.
Auxiliar de cozinha em um restaurante popular de Guarulhos, Maria Nazareth Garcia, 65, encontrou a sua porta de saída. “O Bolsa Família é uma ajuda para quem precisa mais, a partir da hora em que você está trabalhando e consegue se manter, eles cortam. Mas com o que ganho hoje, dá para viver”, diz.
Ela, que atua em uma unidade ligada à prefeitura que serve mais de 600 refeições todos os dias, começou a receber o benefício em 2020, durante a pandemia, e conta que ele a ajudou em um momento de vulnerabilidade.
“Fez muita diferença, consegui também aquela tarifa de energia mais baixa, ajudou bastante a mim, meu filho e meu neto. Agora, que não preciso mais, quero continuar trabalhando.”